Alberto Martins volta a ‘pedir a palavra’ em livro que lembra a crise académica

“Peço a Palavra” é o nome do livro assinado pelo vimaranense Alberto Martins, que foi apresentado esta quarta-feira, no Largo do Paço, em Braga. São 256 páginas que relatam um dia, um momento e um marco histórico.
Dezassete de Abril de 1969. Dois anos depois de chegar a Coimbra e a frequentar o 3.º ano de Direito, Alberto Martins, então presidente da Associação Académica de Coimbra, na presença do Presidente da República, Américo Tomaz, e já depois do discurso do reitor, levantou-se e disse: “Em nome dos estudantes da universidade de Coimbra, peço a vossa excelência para usar da palavra”. A palavra não lhe foi concedida. “Fiquei na dúvida se me iam dar a palavra ou não. Preparei-me mentalmente para que me fosse dada a palavra. Foi um momento muito difícil e de uma tensão absoluta”, porque estavam naquela sala todas as autoridades do regime e “a imagem e o corpo da ditadura”.
Foi preso, interrogado e libertaram-no na manhã seguinte, a tempo de participar numa assembleia magna em que os estudantes começaram a preparar o contra-ataque ao regime. Seguiram-se meses de greve às aulas e aos exames.
A instituição, que os alunos consideravam “dominantemente retrógrada, elitista e que não respondia aos problemas da sociedade”, acolhia 25% dos estudantes de todas as universidades portuguesas, totalizando 9.052, 45% dos quais mulheres.
“Portugal era um país subdensenvolvido, a nossa esperança era pequena mas o sonho era grande”
Cinquenta anos depois, Alberto Martins volta a “pedir a palavra” para recordar esse dia e para eternizar a história, através de um livro que reúne “memorialismo, depoimento pessoal e uma dimensão documental”, contendo “documentos inéditos”, nunca antes conhecidos, conseguidos nos arquivos da Torre do Tombo, Ministério da Educação e da Defesa Nacional, onde diz ter encontrado “obras valiosíssimas”, como “as cartas enviadas pelo ministro da Educação”, José Hermano Saraiva, “a denunciar os estudantes à PIDE e do ministro da Defesa a dizer que 89 desses estudantes deviam ser expulsos de Coimbra para manter o equilíbrio na cidade e 49 foram mesmo incorporados compulsivamente no exército”.
“É um momento singular dos estudantes portugueses contra a ditadura. As sucessisvas lutas dos estudantes portugueses foram muito importantes, foram um afluente do rio da história que passou pelo 25 de Abril. Estávamos com oito anos de Guerra Colonial e o nosso destino estava traçado: era a guerra, matar ou morrer, fugir ou exílio. Portugal era um país subdesenvolvido, a nossa esperança era pequena mas o sonho era grande”, afirmou o autor.
Alberto Martins considera esta “uma luta fantástica pela liberdade e uma luta solidária”, porque “quando há uma greve a exames de 86% dos estudantes de Coimbra é um acto de coragem individual, pois ou perdiam o ano ou eram incorporados. Os das colónias perdiam as bolsas e tinham que deixar a universidade”.
Helena Sousa, presidente do Conselho Cultural da UMinho, considera o livro “uma obra especial, emblemática, representativa, que tem que ver com a liberdade”. Alberto Martins “é uma figura ímpar da democracia, pautou a sua vida pela luta pela liberdade e é uma grande referência”, acrescentou.
O jovem a quem não deram a palavra em 1969 formou-se em Direito e, mais tarde, entre 2009 e 2011, viria a tornar-se ministro da Justiça.
A apresentação da obra integra o programa que tem sido levado a cabo este mês para assinalar os 50 anos da Crise Académica de Coimbra, onde constam mais três obras e uma expsoição fotográfica.
