Braga dá voz às memórias da Crise Académica de Coimbra

100 pessoas reuniram-se no final da tarde desta quinta-feira para dar início, em Braga, às celebrações dos 50 anos da Crise Académica de Coimbra de 1969. “A voz aos antigos estudantes de Coimbra” fez-se ouvir no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Minho, em que vários recordaram memórias de uma revolução estudantil considerada essencial para a história do Ensino Superior em Portugal.
O programa das comemorações em Braga está a ser desenvolvida pela Civitas Braga -Associação de Defesa e Promoção dos Direitos dos Cidadãos, a Fundação Bracara Augusta, a UMinho e a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva. Um momento para recriar amizades, poesias, músicas e palavras assim como debater o presente e projectar o futuro.
Num discurso salpicado de humor, José Dias, moderador do primeiro convívio, disse existir uma enorme falta de informação sobre a crise académica. Para José Dias “muito se tem escrito” mas ainda “não existe uma cronologia” que facilite a leitura dos millennials nas escolas. O moderador garante que é várias vezes abordado por estudantes para contar a história, mas de forma simples.
O convívio foi palco também de algumas críticas por parte da plateia e do próprio moderador no que toca às comemorações da Crise Académica de Coimbra na cidade dos estudantes. “Braga esteve à frente porque as comemorações estão bem enquadradas”, no entanto o mesmo não acontece na cidade onde tudo aconteceu. “Não tiveram o cuidado quando apresentaram o programa das festividades de contactar todos aqueles e aquelas que iriam permitir um programa único”. A decisão, reconhece, deixa-o “amargurado”, uma vez que os principais intervenientes não se revêm neste programa.
Já Alexandra Vieira, da Civitas Braga, preferiu realçar o porquê da cidade dos arcebispos acolher, mais cedo, as comemorações deste evento histórico para o ensino superior português e que muitos consideram ter contribuído para a Revolução dos Cravos. A responsável garante que esta é uma forma de “trazer para a praça pública mais discussão sobre a cidadania e democracia”. Para além disso, Alexandra Vieira refere que existia “uma grande comunidade bracarense que estudava em Coimbra na altura, logo do ponto de vista histórico”, é interessante ouvir os seus testemunhos.
Apesar de não constar nos livros, a Crise Académica de Coimbra de 1969 foi uma revolução de várias cores e que contou a participação de várias mulheres.
A Crise Académica começou com o “peço a palavra” de Alberto Martins, então presidente da Associação Académica de Coimbra, a Américo Tomás, Presidente da República do regime marcelista, na inauguração do edifício das Matemáticas, a 17 de Abril de 1969. O estudante chegou mesmo a ser preso o que desencadeou uma onda de revolta por parte dos estudantes contra o Estado Novo. Os universitários exigiam uma reforma completa do ensino no país, uma academia nova.
Através da censura, o regime procurou abafar os incidentes, mas a posição dos estudantes ficou bem marcada na final da Taça de Portugal entre a Académica e o SL Benfica. Os estudantes entram no Jamor “a passo, de capa académica aberta e caída, um sinal de luto”, recordou José Dias.
Maria José Tinoco tinha 17 anos na altura. Era caloira em Letras e neste convívio em Braga recordou “os carros da polícia com tanques de água e as bombas de lacrimogéneo”. Foi na rua Ferreira Borges que a estudante assistiu a “um dos episódios mais violentos”, disse.
Etelvina Sá, filha de um GNR, estava na altura a estudar em Coimbra. Ficava numa “Casa da Mocidade Portuguesa”, mas mesmo assim participou em todas as lutas. A bracarense revelou que essa participação resultou na expulsão da residência universitária através de uma carta que ainda hoje guarda e descreve como de “um cinismo atroz”.
Colocar tachas nas estradas para furar os pneus dos carros da polícia ou mesmo comprar sabonetes para espalhar nas estradas e assim fazer os cavalos da polícia escorregar foram outras histórias partilhadas pela plateia.
Para esta sexta-feira, 12 de Abril, está programado um recital de poesia com o tema “Notícias do bloqueio”, no Museu Nogueira da Silva.
Áudio:
Intervenções na sessão que incentivou à partilha de testemunhos sobre a Crise Académica de Coimbra.
