Dolores Silva: “Futebol feminino ainda está limpo”

“Na altura não havia tantas oportunidades como agora”. Dolores Silva viu-se forçada a integrar uma equipa de rapazes para poder jogar futebol. Foi no Real Massamá que começou a dar os primeiros toques numa bola. As equipas mistas tendem em desaparecer, até porque hoje “há mais clubes a apostar na formação”. Prova disso é a aposta da própria Federação Portuguesa de Futebol na criação de oportunidades para jovens atletas, mais recentemente a criação da selecção sub-15.
Do Real Massamá foi para os juniores do 1º de Dezembro. À imagem de muitas atletas que hoje são referências da modalidade, começou lá, num clube que acabou por fechar as portas ao futebol feminino. Vestiu aquela camisola durante sete anos. Na altura já estava no estrangeiro quando recebeu a notícia que dava conta do encerramento da formação feminina. “É um clube que tem uma marca muito importante no futebol feminino, com 13 títulos de campeão nacional”.
As comparações entre futebol feminino e masculino é algo a que Dolores Silva está habituada. Até porque as pressões sociais sempre se fizeram sentir. “Agora já não há tanto. As pessoas começam a acompanhar o futebol feminino e algumas até já elogiam”. Recorda uma frase que lhe havia sido proferida por uma adepta: “Até gosto mais de vos ver [mulheres] jogar. Não há tantas mariquices”. Talvez seja porque no futebol feminino “há menos marketing” e não há tanto “conflitos entre equipas, jogadores e, agora, até entre directores”. Felizmente, o “futebol feminino ainda está limpo”.
Portugal e Alemanha: realidades distintas
“Parti para um sonho. Foi uma experiência muito gratificante para mim”. Aos 19 anos, assinou contracto com Duisburg, na altura uma das melhores equipas da Europa. Chegou à Alemanha sem saber falar a língua oficial e os primeiros meses de adaptação foram complicados. Dois meses após a chegada teve de lidar com uma lesão no joelho que a afastou dos relvados durante uma época.
O regresso a Portugal deve-se à vontade de querer sentir de novo o país. Não descarta a hipótese de voltar a ser emigrante, mas para já está focada no SC Braga. “As diferenças entre o campeonato português e o alemão são muitas. Estamos a falar de uma potência do futebol feminino [Alemanha], sete vezes campeã da Europa”. As deseigualdades notam-se não só na exigência, no profissionalismo -futebol feminino em Portugal é semiprofissional, na Alemanha é profissional-, mas também em praticantes da modalidade. São milhões contra milhares.
Voltar para Portugal foi uma decisão que teve prós e contras. A vida de futebolista faz-se de decisões e neste caso não é diferente. Na entrevista à RUM, a gravidez foi tema de discusão. O que devem fazer as jogadoras? Como devem agir os clubes? Como regressa aos relvados após meses de paragem? Nunca teve necessidade de parar para pensar nisso, mas conhece jogadoras que “fizeram uma pausa na carreira para serem mães e que depois regressaram”. Em Portugal, apenas uma atleta do Sporting esteve nessa situação. De Espanha, Alemanha e EUA chegam relatos de outras histórias.
Não encara a gravidez no futebol como algo que impossibilite a prática do desporto. “É sempre uma decisão difícil. A carreira de um futebolista não e muito longa”. Na Alemanha, conviveu com uma colega que engravidou. Longa paragem que pode reflectir-se na prestação de uma atleta.
Obrigado, Andreia Norton
No colo tem a camisola que usou no jogo frente à Roménia no play-off de acesso ao Euro 2017. O golo de Andreia Norton acabaria por carimbar a primeira presença de Portugal num campeonato europeu. “Nem tenho palavras para descrever o momento. Só quem lá estava sabe aquilo que sentimos”. Dolores Silva não esquece esse momento. Ainda hoje, pelos corredores do SC Braga, agradece a Norton pelo golo apontado.
Na partida para a Holanda, era consensual entre a comitiva de que seria muito difícil conseguir passar à próxima fase. “Fazer parte desta equipa foi muito importante. Só nos dá motivação para fazer mais e melhor”. O currículo de Dolores Silva faz-se de mais de 100 internacionalizações, onde tanto joga no lado esquerdo da defesa como no centro do meio campo. “Eu quero é jogar e dar o melhor pela equipa”.
Áudio:
Dolores Silva sobre o Euro 2017, a modalidade em Portugal e a evolução do futebol feminino.
