Fé não atenua sofrimento mas é equiparada a uma força

Não há uma relação direta entre a fé e o sofrimento. É esta a principal conclusão de uma investigação desenvolvida por Paula Encarnação, da Escola Superior de Enfermagem da Universidade do Minho.

A fé como recurso para atenuar o sofrimento em doenças como a esclerose múltipla, que afecta 5000 pessoas em Portugal e 2.5 milhões no mundo, foi o ponto de partida da tese de doutoramento.

Aos microfones da RUM, a investigadora explica que o estudo se divide em 4 dimensões: “intrapessoal”, “interpessoal”, “consciencialização do sofrimento” e “sofrimento espiritual”, que incluem indicadores como dor e incapacidade física, perda de autonomia, alteração de papéis sociais na família e na sociedade, abandono de projetos pessoais, não aceitação da sua condição ou perda de esperança e do significado da vida. 

A investigadora diz ainda que a fé é um “recurso isolado” ,  que “não é aplicado como algo que vai minimizar o sofrimento e só está presente no surto”.

 “Vou pegar neste recurso e na minha fé e pedir: Meu Deus ajuda-me e vou fazer as minhas orações”, exemplificou.

“A pessoa acha que consegue neste momento, mas depois, sentindo-se bastante bem, retoma uma normalidade, por adaptação e reajuste à nova condição de saúde, e este recurso passa a ficar latente e só é accionado em situação de crise”, acrescentou.

Não há, portanto, uma correlação directa que prove que a fé atenua o sofrimento. Facto que a investigadora da UMinho conseguiu comprovar “através de entrevistas, em que as pessoas relatavam que a fé lhes dava suporte, ajudava a ultrapassar os obstáculos, mas, em termos estatísticos e das dimensões, elas são entidades completamente distintas”. A correlação aparece quando o doente ganha consciência do sofrimento e se reajusta à nova dimensão de saúde.

Estudo despertou interesse internacional

Uma das conclusões da investigadora distingue a forma como as pessoas sentem a fé mediante a sua faixa etária. “Os mais jovens têm muitos mais recursos, recorrem à internet, falam e ficam mais esclarecidos. Os mais velhos não têm tanto estes hábitos, eles têm fé e utilizam-na, mas os mais novos nem por isso e dizem: a gente tem cá a nossa fé mas estar a jogar ou falar com amigos funciona melhor”, detalhou.

Além disso, o estudo equipara “a fé a uma força”. “A fé funciona como uma força para mim, dá-me um impulso para que eu consiga ultrapassar os obstáculos da minha vida e manter a minha luta diária”, afirmou uma das participantes no estudo. “As pessoas conseguem sentir que ganham uma nova compreensão e atribuem um novo sentido à realidade que experimentam”, disse ainda a investigadora.

Paula Encarnação investigou cerca de 100 doentes, através de um questionário e entrevistas.

Os resultados destacam que só metade dos inquiridos entende o sofrimento que está a viver, sendo que os jovens racionalizam mais por terem acesso a mais informação.

O estudo nota que o bem-estar da fé cristã chega a ser comparado pelos participantes a atividades de lazer como “fazer parapente, “ouvir música” e “ver televisão”, independentemente da prática religiosa, crença, estádio da doença, idade e sexo.

O questionário revelou ainda que a consciencialização do sofrimento é a fase mais difícil para o doente, pois implica um maior entendimento e aceitação da doença e das suas repercussões a longo prazo. “A maioria das pessoas está na vida ativa e a doença impede-as de trabalhar, o que gera desilusão e frustração enorme, porque elas não conseguem perspetivar um futuro em termos profissionais e de criação ou preservação da família, por exemplo”, reforça a professora da UMinho.


Pioneiro em Portugal por avaliar tantas vertentes em simultâneo, o estudo está validado cientificamente e promete ajudar os profissionais de saúde a intervir de forma mais eficaz nas dimensões que provocam mais sofrimento.

Este instrumento despertou interesse internacional e está a ser traduzido para persa.

Áudio:

Paula Encarnação, investigadora da UMinho, adianta algumas conclusões do seu estudo

Liliana Oliveira
Liliana Oliveira

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