Qual o papel actual dos cineclubes?

Celebra-se esta terça-feira o Dia Mundial do Cinema. Para assinalar a efeméride, a RUM contactou os programadores dos cineclubes de Braga, Guimarães, Famalicão e Barcelos e questionou-os sobre qual o papel actual dos cineclubes como alternativa aos filmes exibidos nas salas de cinema das grandes superfícies comerciais.
Todos, sem excepção, reconheceram que o cineclubismo é essencial na proximidade e na formação de públicos à sétima arte. O cinema mainstream, de entretenimento, que grassa nas grandes salas, aliado ao surgimento de plataformas como a Netflix ou a HBO, levou a que o público se afastasse do “outro cinema”, como refere à Universitária Carlos Mesquita, programador do cineclube de Guimarães, associação fundada no já longínquo ano de 1958 .
“Os cineclubes fazem aquilo que eu não chamo cinema alternativo, porque isso não existe, mas sim o outro cinema. Costumo dar este exemplo: o Charlie Chaplin fez fortuna com os seus filmes e o cinema dele era comercial. O que falta hoje em dia é tornar popular o tipo de cinema que o Chaplin fazia“.
O responsável não é contra o circuito comercial presente nas salas de cinema do país mas ressalva que é preciso regressar ao “cinema de sala escura”, e, voltando às plataformas de streaming, lamenta que filmes como o novo de Martin Scorsese, Irishman, sejam distribuídos na Netflix e retirados do “seu habitat natural, que é a sala escura”.
O emergir das plataformas de streaming é também apontado por Eduardo Figueiredo, do cineclube Zoom, de Barcelos, como responsável pelo abandono “ao ritual de ir ao cinema”. A importância de ver e discutir filmes numa sala, entende o responsável, “perdeu-se e é agora difícil angariar pessoas para os cineclubes”. Barcelos é das cidades no país que não dispõe de uma sala de cinema e Eduardo Figueiredo assinala que o cineclube no qual é programador é “o último reduto” à sétima arte no concelho.
No aspecto da formação de público, Eduardo Figueiredo aponta que o cineclubismo desempenha um “papel vital”. “Este mês programamos cinema português e os cineclubes também têm essa função de aproximar e cultivar o público ao cinema nacional. O cinema não serve só para entreter mas também para desafiar e emocionar“.
A retórica educativa e desafiadora do cinema apontada por Eduardo Figueiredo é consubstanciada pelo seu homólogo famalicense, Vítor Ribeiro, programador do cineclube de Joane. Vítor Ribeiro diz que os cineclubes tem como principal função “garantir diversidade na oferta de cinema” e enaltece, no caso do cineclube de Joane, que há o cuidado em programar autores imprescindíveis da história da sétima arte. “O cinema vive do seu percurso, percurso esse que não deve ser esquecido e deve ser transmitido às novas gerações”, aponta.
Tal como em Barcelos, Famalicão não tem sala de cinema. O cineclube de Joane é, por isso, o único meio que os famalicenses possuem para ver filmes na sua cidade. Vítor Ribeiro destaca esse factor e assinala que, no último ano, foram apresentadas mais de 150 sessões de cinema no concelho, num esforço conjunto entre o cineclube e a autarquia.
Ao contrário das cidades vizinhas de Barcelos e Famalicão, Braga tem uma vasta oferta de salas: há o Braga Parque, o Nova Arcada e o BragaShopping. No entanto, existe espaço para outro cinema e José Oliveira, do cineclube Lucky Star (que exibe filmes, actualmente, na Casa do Professor), garante que há “muito público interessado num tipo de cinema complexo, em sintonia com os problemas sociais e culturais“. O seu cineclube, acredita, tem contribuído “para uma sociedade cada vez mais informada e culta”.
José Oliveira, ele que além de programador é também realizador, destaca que o Lucky Star tem inclusivamente uma programação oposta à dos cineclubes dos restantes municípios do quadrilátero. “O que nós fazemos é uma espécie de cinemateca, ou seja, passar filmes da história do cinema. Este mês, por exemplo, vamos passar uma retrospectiva da obra do Manuel Mozos. Fugimos, por isso, à regra dos outros cineclubes, que apresentam filmes do circuito independente”.
De um modo independente, educativo ou histórico, os cineclubes são, de um modo geral e como invoca Carlos Mesquita, espaços “de associativismo” onde os filmes podem ser “conversados, e onde há cinefilia, onde há o culto pelo cineasta e pelas correntes estéticas”.
No dia Mundial do Cinema foram apresentados alguns dos números de espectadores nas salas portuguesas: espera-se que 2019 venha a ser o melhor dos últimos cinco anos, em box office.
